O que era só diversão se tornou esporte, trabalho e sonho. Hoje, os jogos online
representam uma possibilidade de mudar de vida, mas não da mesma forma para
todos. Desenvolvido por mais de uma década em vários países, o cenário de esportes
eletrônicos (e-sports) continua excluindo as mulheres. No entanto, elas lutam para
mudar essa realidade. Saiba como meninas e mulheres estão transformando o
League of Legends (LoL) no Brasil.

Você vai ver:

  • O que é o cenário competitivo de LoL e sua importância
  • De que forma as mulheres são excluídas dos e-sports
  • Quem abriu caminho no League of Legends e quais projetos ajudaram a mudar o jogo
  • Uma vitória brasileira: a primeira liga oficial inclusiva do mundo, a Ignis Cup, é nossa
  • Qual a situação atual das jogadoras profissionais no Brasil
paiN Gaming. Foto: Riot Games

1. Um novo mundo com as mesmas barreiras de sempre

2 de agosto de 2022, 21h. Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL) Academy.

Naquela noite, Bárbara do Prado se tornava jime nas telas de milhares de pessoas.

Finalmente, sua grande chance. Finalmente, o momento de brilhar como jogadora profissional estreando em uma liga oficial, como eles sempre fizeram.

Talvez ninguém da torcida soubesse, mas jime enfrentava uma árdua batalha muito antes da disputa entre RED Canids Kalunga, time que representava, e KaBuM! Esports começar. Bárbara vestia a camisa da RED e seu brasão estampado com a cauda do lobo vermelho, porém não era reconhecida por sua própria matilha.

“Eram sete moleques e eu. Uma separação muito grande. Para mim não era um time. Era o time e eu. Era muito segregada a parada.” - Jime fala ao 2v1, podcast do MaisEsports

Assim como milhares de torcedores, eu também esperava ansiosa pela transmissão do #JIMEDAY (ou “dia da jime”) via YouTube e Twitch. Tinha expectativas de vê-la jogar na liga oficial “mista” – falaremos muito destas aspas – desde que foi anunciada em fevereiro do ano passado como atiradora da RED pelo time Academy. Mas Bárbara só foi escalada no segundo semestre, para o último split Algo como “etapa” ou “edição”. Dois splits diferentes do campeonato acontecem no ano, um no primeiro semestre e outro no segundo. do campeonato, que havia começado em junho.

Jime não seria a primeira mulher na liga. Antes dela, outras seis haviam jogado o CBLOL Academy ou o antigo Circuito Desafiante, mas por pouco tempo. Diferentemente dos homens, que têm a oportunidade de provar seu valor e evoluir ao longo dos torneios, em muitos casos as mulheres são escaladas para poucas partidas e precisam demonstrar sua habilidade em um pequeno período de tempo – se tiverem a sorte de sair do banco de reserva. Em grande parte, elas são contratadas, na prática, para servir como uma espécie de “marketing” para o time.

O caso da jime estava caminhando para ser exatamente assim. A RED havia disputado 15 jogos sem ela. Minha esperança de que dessa vez tudo seria diferente se dissolvia a cada rodada do campeonato.

À esquerda, anúncio de jime na RED Canids (2022). Um ano depois, a jogadora fala ao podcast 2v1. Fotos: Reprodução

Quando Bárbara finalmente apareceu no mapa, eu comemorei. Na época, sem saber dos rumos que essa história tomaria, fiquei feliz de vê-la jogar, mesmo que seu time tivesse perdido. Afinal, participar da liga de acesso do campeonato principal de League of Legends é um feito que tem grande impacto sobre a carreira de um pro player Pro player é um termo em inglês que significa “jogador profissional”. .

Só descobri um ano depois, mas, naquele que deveria ser o momento decisivo da jime, as coisas não se desenrolaram de uma forma positiva para a jogadora, seus fãs e aqueles que torcem pelas mulheres. Me entristeceu que tenham negado a ela o direito de seguir o caminho que havia escolhido. Eu queria vê-la realizando seu sonho.

Sim, sonho.

Antes de contar o que aconteceu com Bárbara e o que ela enfrentou ao desafiar estruturas sociais que a sabotaram – e não desaparecem em um mundo ancorado a realidades virtuais –, é preciso questionar por que as mulheres lutam para ocupar um espaço dominado por homens.

"Passavam o dia inteiro jogando e agora sustentam a família"

Entre os anos 2000 e 2010, jogos de computador, celular ou console se tornaram algo além do que eram.

Os jogos digitais, ou games – muito diversos em estética, gênero e proposta – são ótimas criações para divertir alguém que está sozinho dentro de casa em um final de semana chuvoso. Essa ferramenta gregária reúne amigos e familiares, estreitando laços. Além de manter o cérebro ativo, treinando memória, rapidez do raciocínio e reflexos. Todas essas possibilidades de experiência com os jogos ainda existem e fazem parte do complexo dos esportes eletrônicos, ou e-sports, que podem ser experienciados de formas diferentes de acordo com cada interesse. Eu, por exemplo, jogo LoL de forma casual e descompromissada, como um futebol improvisado no campinho com os amigos, mas, hoje, tem gente que vive disso.

Se os jogos em um passado não muito distante serviram apenas para entretenimento, estamos agora diante de um fenômeno diferente por conta de um circuito competitivo muito forte que nasceu a partir de alguns desses games, como o League of Legends.

Desenvolvidos e publicados por grandes empresas estadunidenses ou chinesas, estes games estão globalizados e, em diversas regiões do mundo, representam um caminho para a ascensão social. Assim como aconteceu com o basquete ou o vôlei, eles podem mudar a vida das pessoas.

Um atleta famoso de clube importante pode ganhar o suficiente para sustentar sua família. Alguém muito comunicativo, que consiga cativar uma audiência, tem a possibilidade de receber um bom dinheiro como streamer Streamers são pessoas que transmitem partidas ao vivo pela internet. Podem ser jogadores habilidosos ou entreterem sua audiência pelo carisma e simpatia. Eles costumam interagir com os espectadores durante as lives, que se comunicam por um chat. Além de mostrar sua experiência jogando, os streamers também podem fazer sucesso comentando partidas oficiais e dando dicas ou estratégias de jogo. Sua receita pode vir de várias fontes: incluindo doações de espectadores, subscrições, anúncios exibidos durante as transmissões, patrocínios e parcerias com marcas. Muitas vezes, os streamers fazem parte de organizações profissionais de e-sports. Alguns se tornam celebridades online com uma base fiel de fãs.. Também existe a opção de trabalhar como narrador/comentarista – chamados “casters” no meio dos games –, trazendo emoção e análises para as transmissões. Outras opções são se tornar treinador, advogado (cuidando de contratos de compra e venda de atletas), psicólogo, fisioterapeuta, agente de pro players, nutricionista, programador e desenvolvedor de jogos, publicitário ou jornalista… Ufa.

Foto: Riot Games

"Quando veio essa “Quando surgiu a oportunidade de ser caster da Riot, minha mãe não entendeu que aquilo poderia ser uma profissão, que as pessoas viviam daquilo. Eu era do Rio e meu pai veio comigo a São Paulo pela primeira vez para ver como as coisas funcionavam e contar a ela que estava tudo direitinho. Minha mãe leu o contrato de trás para frente, de frente para trás, pesquisou tudo... Hoje é diferente. Ela já veio conhecer a Arena e as pessoas que trabalham comigo, e todo dia assiste meus vídeos e transmissões. Eu me orgulho muito do meu trabalho, de participar da reconstrução do cenário inclusivo e de projetos internacionais também, que sempre foi algo que eu gostei muito. E de poder inspirar pessoas. Eu sempre fico boba quando alguém me diz: ‘você é minha inspiração, um dia quero estar ali com você!’”

Esta é Tábata "Tabs" Alcântara, de 24 anos. Tabs é caster do CBLOL e CBLOL Academy, o que significa que ela participa das transmissões oficiais da Riot Games e é muito conhecida pelo público por suas análises de jogo.

Foto: Reprodução/Twitter

Este é o ex-jogador profissional de League of Legends conhecido como Baiano. Aos 29 anos, ele é hoje streamer e comentarista. Nascido em Bom Jesus da Lapa (BA), e criado em Recife (PE), Baiano é um dos pioneiros no cenário competitivo de LoL no Brasil, primeiro player a jogar fora do país pela modalidade e um dos criadores de conteúdo mais importantes do esporte eletrônico nacional.

Com o desenvolvimento de um cenário competitivo de diversos games ao redor do mundo, nasce o chamado esporte eletrônico, cujo circuito guarda semelhanças com o esporte tradicional: está estruturado em ligas regionais e mundiais, envolve cadeias de capital, clubes, profissões, plataformas midiáticas, atletas de alto rendimento e torcidas.

O último relatório da consultoria especializada Newzoo, publicado em abril de 2022, diz que a indústria de games, que inclui os e-sports, movimentaria 184,4 bilhões de dólares globalmente até o final do ano passado. Projetando para 2025, a consultoria calcula que essa receita chegará a US$ 211,2 bilhões. Em relação ao público, seriam 640 milhões de espectadores em competições oficiais de esportes eletrônicos no mundo até 2025.

No Brasil, de acordo com a Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2022–2026 da PwC, a receita total de videogames e e-sports foi de 1,4 bilhão de dólares em 2021 e deve ultrapassar US$ 2,8 bilhões em 2026.

Apesar de apresentar números muito abaixo do que os esportes tradicionais, é um mercado que já impacta o país e cresce em profissionalização e audiência, gerando discussões sobre regulamentação no Ministério do Esporte e na Câmara dos Deputados, além de proposições de Projetos de Lei.

O League of Legends, por exemplo, teve sua primeira competição oficial brasileira em 2012, com premiação de 80 mil dólares no total – o dólar começou aquele ano valendo R$ 1,8. Já em 2023, o CBLOL ofereceu 1,2 milhões de reais somando as duas etapas do campeonato, quase 8 vezes mais que no início.

Equivalentes a clubes de esportes tradicionais, as chamadas organizações de e-sports são empresas que geralmente contam com uma estrutura multidisciplinar para seus times, com médicos do esporte, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e equipe técnica com treinadores (coach) e analistas.

A nível mundial, as organizações mais valiosas do globo são, de acordo com levantamento de 2022 da Forbes, as norte-americanas TSM (US$ 540 milhões/R$ 2,6 bilhões), 100 Thieves (US$ 460 milhões/R$ 2,2 bilhões) e Cloud9 (US$ 380 milhões/R$ 1,8 bilhões); as europeias Team Liquid (US$ 440 milhões/R$ 2,1 bilhões), G2 Esports (US$ 340/R$ 1,7 bilhões) e Fnatic (US$ 260 milhões/R$ 1,2 bilhões); e as sul-coreanas Gen.G (US$ 250 milhões/R$ 1,2 bilhões) e T1 (US$ 220 milhões/R$ 1 bilhão) – valores convertidos para a cotação de maio de 2023.

Já a empresa que é dona do League of Legends, a Riot Games, valia 21 bilhões de dólares no ano passado, também de acordo com a Forbes.

É notável a expansão e a potencialidade desse universo. Mas, apesar de seu crescimento, inclusive entre o público feminino, os esportes eletrônicos continuam – assim como muitos esportes tradicionais – excluindo mulheres das posições mais prestigiadas, seja como atletas, ou gestoras.

Existem diversas modalidades dentro dos e-sports, ou seja, vários games com cenários competitivos próprios. Aqui, vamos investigar o League of Legends, um dos maiores no Brasil, mas temos outros exemplos, como o Free Fire, CS:GO, Valorant, Rainbow Six e PUBG. Ainda que a situação feminina tenha certas variações em cada um deles, com avanços maiores no Valorant, podemos observar uma mesma estrutura de opressão e exclusão que nenhum conseguiu superar.

League of Legends,
ou Liga das Lendas

Lançado em 2009 pela Riot Games, empresa estadunidense que foi comprada pela gigante chinesa Tencent em 2015, o LoL é um game online para computador do gênero MOBA (arena de batalha multijogador em linha) de estratégia em tempo real.

A dinâmica do jogo consiste em duas equipes de cinco jogadores se enfrentando para destruir a base uma da outra. Para representá-lo no game, o player pode escolher um dos mais de 140 campeões disponíveis, que são avatares/personagens com um kit de habilidades único. O mapa utilizado para campeonatos é o Summoner’s Rift, mais complexo e competitivo, que conta com três rotas e uma selva que as conecta – é neste espaço que a partida se desenrola. A estrutura de rotas define cinco papéis diferentes que devem ser distribuídos entre cada jogador de uma equipe para atingir os objetivos e conquistar território, que podem ser: topo (top laner), atirador (ou ADC, ou ad carry), suporte, meio (mid laner) e selva (jungler). Para que o time seja vencedor, o player deve assegurar abates, destruir torres e alcançar outros objetivos até destruir o Nexus (base) inimigo.

As partidas ranqueadas (ou ranked) classificam os jogadores por desempenho e competitividade. Ao participar de uma fila com ranqueamento, o player recebe um elo, ou rank, que é uma das formas de medir sua qualidade como jogador. Os níveis são, em ordem crescente: ferro, prata, bronze, ouro, platina, diamante, mestre, grão-mestre ou desafiante (challenger). Os ranks também possuem divisões numéricas, o que aumenta o rigor da seleção. É possível jogar partidas que não valem pontos e são destinadas apenas à diversão, chamadas “normais”, ou “normal game”.

Ao longo dos anos, o LoL recebeu muitas atualizações e passou por diversas mudanças que afetam as mecânicas de jogo, mas sua estrutura continua a mesma: as partidas, que costumam durar em torno de 30 minutos, exigem trabalho em equipe, conhecimento do mapa, de itens e runasTanto as runas quanto os itens servem para aumentar a força do campeão. As runas são atributos escolhidos previamente e os itens precisam ser comprados ao longo do jogo com “ouro” – moeda fictícia que se conquista durante a partida. Ter conhecimento tanto das runas quanto dos itens é essencial para construir possibilidades de ação diferentes para cada campeão, identificando quais itens e runas funcionam para cada personagem, de que forma, e quais variações o permitirão desempenhar o papel necessário no time., habilidades, combinação de atributos dos diferentes campeões, e raciocínio rápido.

Para jogar, os players devem escolher um nickname, algo como um “nome artístico” dos e-sports.

O jogo é gratuito. No entanto, existe a possibilidade de customizar a aparência dos personagens usando skins, que são conteúdos pagos.

Cenário competitivo

O primeiro Campeonato Mundial aconteceu em Jönköping, na Suécia. Oito equipes participaram daquele torneio: três da Europa, três da América do Norte e duas do Sudeste Asiático.

Existem hoje 10 ligas oficiais regionais de League of Legends promovidas pela Riot, representando um ou mais países, que culminam no Campeonato Mundial. A premiação total do ano passado foi de US$ 2,225 milhões.

No Brasil, temos a liga do Campeonato Brasileiro de LoL (CBLOL). Confira as outras:

América do Norte: League Championship Series (LCS)

Europa: European Championship (LEC)

Coréia do Sul: LoL Champions Korea (LCK)

China: LoL Pro League (LPL)

Japão: LoL Japan League (LJL)

América Latina: Liga Latinoamérica (LLA)

Oceania: LoL Circuit Oceania (LCO)

Vietnã: Vietnam Championship Series (VCS)

Taiwan, Hong Kong, Macau e Sudeste Asiático: Pacific Championship Series (PCS)

É esporte?

A discussão é controversa. Os esportes digitais, apesar de conformados pelas máquinas, apresentam muitas possibilidades competitivas por conta das variáveis do próprio jogo e da construção de jogadas criativas pelos players.

É possível observar muitas semelhanças do esporte eletrônico com o esporte tradicional. Os e-sports produzem competições acirradas e emocionantes, exigem treinamentos árduos e disciplinados para os atletas, geram grandes movimentações de dinheiro por patrocínios e direitos de imagem (ainda que comparativamente menores), e contam com organizações de estruturas complexas e torcedores apaixonados. É comum, inclusive, encontrar clubes de futebol que se integram ao mundo dos e-sports e montam times para o League of Legends, como o Flamengo e o PSG, por exemplo.

Temos, porém, duas diferenças fundamentais, para além das referentes à atividade corporal: os esportes eletrônicos são propriedade privada e dependem de uma plataforma tecnológica. Como criações de empresas publishers, ou seja, publicadoras, que só existem enquanto essas desenvolvedoras quiserem que existam e continuem os atualizando, os e-sports não podem ser praticados por alguém que não tenha acesso a um equipamento adequado e à internet. E isso, por si só, é um fator de exclusão que vai ajudar a definir quem chega ao topo desta cadeia, seja por questões de gênero, de classe ou de raça, dentre outras.

Ana Moser, atual ministra do Esporte, afirmou em entrevista ao UOL, publicada no dia 10 de janeiro deste ano, que não considera os e-sports como esportes, e sim indústria do entretenimento: “O atleta de e-sports treina, mas a Ivete Sangalo também treina para dar show e ela não é atleta, é uma artista que trabalha com entretenimento.”

A fala gerou controvérsia entre profissionais do setor. Marina Leite, que é diretora de e-sports da Liberty, uma organização brasileira com times de League of Legends e Valorant, discorda da ministra. “Acredito que faltou embasamento dela para emitir essa opinião. O futebol também é entretenimento, mas não é um show. Os e-sports são de fato competições. São detalhes que fazem com que você ganhe ou perca uma partida, assim como um esporte tradicional. Claro que existe toda uma peculiaridade, mas, ao mesmo tempo, é importante para o esporte eletrônico ser caracterizado como esporte por uma questão jurídica.”

Posteriormente, no dia 28 de março, Ana Moser afirmou que é preciso mais debate e que um grupo de trabalho interministerial seria montado para discutir a questão:

Historicamente, o Ministério do Esporte não aprovou os e-sports como esporte. Isso já tramitou no Conselho Nacional de Esporte. Este governo não tem posição definida, a gente precisa debater. Se é esporte, cultura, ciência e tecnologia, se é turismo... Todas as relações do esporte eletrônico, que precisam ser regulamentadas, organizadas, porque é um fenômeno inegável e fortíssimo, em termos econômicos inclusive.” - Ana Moser em audiência pública no Senado Federal, por Agência Brasil

CBLOL

O Campeonato Brasileiro de League of Legends é a liga profissional oficial de e-sports do jogo no Brasil, onde os melhores times mostram sua qualidade e disputam a chance de representar o país em nível internacional.

O formato do campeonato mudou muito desde 2012, quando foi criado. Até 2021, a liga funcionava de maneira semelhante às de futebol, com promoção e rebaixamento. Assim, existiam duas competições oficiais, com a série de elite, também conhecida como série A, que era o próprio CBLOL, e a série B, que seria um torneio oficial, mas com jogadores menos profissionalizados, chamada de Circuito Desafiante.

Atualmente, a liga é mais parecida com a NBA, de basquete. Temos uma franquia com 10 clubes: Fluxo, FURIA Esports, INTZ, KaBuM! Esports, Liberty, Los Grandes, LOUD, paiN Gaming, RED Canids Kalunga e Vivo Keyd Stars. As 10 vagas foram compradas originalmente pelo valor de 4 milhões de reais, o que significa que, além de as organizações também serem donas do negócio, elas não podem ser rebaixadas. Outras organizações só participam da liga caso comprem alguma vaga de alguém que já faz parte dela. Clubes de divisões menores não desapareceram completamente após a criação do sistema de franquias, mas enfrentam dificuldades para sobreviver em meio à falta de campeonatos oficiais para disputar.

Como não há rebaixamento, existe uma liga de acesso chamada CBLOL Academy, atrelada ao CBLOL e às suas organizações. O objetivo é revelar novos talentos e desenvolver habilidades desses jogadores, que podem atuar como reservas da liga principal ou “subir”.

O CBLOL acontece em dois splits por ano, com o primeiro começando em janeiro e o segundo começando em junho. O vencedor do primeiro CBLOL ganha uma vaga no torneio internacional chamado Mid-Season Invitational (MSI), que reúne as outras ligas do mundo e ocorre entre os dois splits. Para se classificar no Campeonato Mundial de League of Legends (Worlds), o maior e mais prestigiado torneio do jogo, é preciso vencer o segundo split.

Na primeira imagem, a LOUD vence o segundo split do CBLOL 2022. Abaixo, Ronaldo Fenômeno coloca medalha em Faker, jogador de LoL mais famoso do mundo, durante MSI sediado no Brasil em 2017. Fotos: Riot Games

Emicida: “Ao fazer a música eu queria muito agradecer a essa molecada”
Foto: Riot Games

O rapper Emicida fez um show diferente em 2018, no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, com capacidade para quase 5 mil pessoas. O artista ama League of Legends e escreveu uma música em homenagem aos jogadores profissionais e streamers, que apresentou na final do Campeonato Brasileiro daquele ano. O vídeo que mostra Emicida cantando “‘É só um joguinho’, eles disseram” foi reproduzido 1,5 milhões de vezes em seu canal no YouTube.

Com bordões de Felipe “brTT” Gonçalves e Felipe Piller Noronha, o YoDa, além de outras personalidades do LoL, Emicida contou ao TechTudo que sua intenção, com a música, era dedicar “uma homenagem aos moleques”. “O que eles fizeram com League of Legends foi algo muito próximo ao que a gente fez com a cultura do hip hop: expandir uma ideia, aumentar os horizontes, vencer limites.”

Muito marcante para a comunidade do jogo e também para fãs do artista, o show de abertura ficou para a história da liga. Mas não foi a primeira vez que o CBLOL mobilizou milhares de pessoas. Em 2015, 12 mil torcedores se reuniram no estádio Allianz Parque, na cidade de São Paulo, para assistir à final do Campeonato Brasileiro, enquanto 283 mil acompanhavam a transmissão pela internet. Além disso, 24 salas de cinema espalhadas pelo país exibiram a disputa naquele ano. O Ginásio do Ibirapuera (SP) sediou uma final de CBLOL em 2016 e 2022, com 10 mil pessoas. Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife e Florianópolis também já foram palco dos confrontos.

Atualmente, parte do público não precisa mais esperar pelas finais para poder assistir aos jogos de forma presencial. A Arena CBLOL, que fica na cidade de São Paulo, na Barra Funda, se tornou o espaço onde as partidas regulares são disputadas e filmadas. O local tem capacidade para 142 pessoas na torcida, enquanto as transmissões online são feitas pelo YouTube e Twitch oficiais da liga (e/ou streamers autorizados), com milhares de espectadores, e também pela televisão, no canal Sportv.

Falando de números globais, a final do Campeonato Mundial de League of Legends do ano passado, o Worlds 2022, disputada por duas equipes coreanas no Chase Center, em São Francisco, nos Estados Unidos, foi noticiada por ter mais de cinco milhões de espectadores pelo mundo – números que na verdade são maiores, porque as estatísticas não incluem serviços de streaming chineses.

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Ao fazer a música eu queria muito agradecer a essa molecada. Quando você olha a história do brTT, por exemplo, mostra que você tem que acreditar em uma coisa que muitas vezes o entorno não acredita. Para mim isso foi muito inspirador. - Emicida ao TechTudo.

MÚSICA, SÉRIE NA NETFLIX, CONTOS, HQ, CINEMÁTICAS E OUTROS JOGOS

A Riot Games expandiu o LoL e criou diversos produtos midiáticos em torno do seu universo, que é construído com histórias de fundo para todos os personagens e regiões do mundo fictício de Runeterra, onde se passam os eventos do jogo. Além dos contos, novelas e histórias em quadrinhos que desenvolvem a trama de LoL, existem ainda games derivados, como Legends of Runeterra, Wild Rift – que é o LoL mobile, ou seja, para celular –, Teamfight Tactics, Ruined King, Hextech Mayhem, Mech vs. Minions, Song of Nunu, CONV/RGENCE, The Mageseeker, dentre outros.

Para conquistar um público para além do nicho dos gamers e aumentar a identificação entre fãs, a empresa tem investido em músicas originais, cinemáticas e até mesmo em uma série animada da Netflix. Todos esses produtos aumentam os lucros da empresa e servem para criar uma comunidade que se organiza em torno de um mesmo complexo de histórias e referências.

Os personagens de LoL se tornaram parte de bandas virtuais, como o grupo de k-pop K/DA, formado por Ahri, Evelyn, Akali, Kai’sa e Seraphine. Elas são interpretadas pelas cantoras da vida real Bea Miller, Madison Beer, Kim Petras, Jaira Burns, Wolftyla, Miyeon, Soyeon e pelo grupo Twice. A banda virtual lançou um EP e 3 singles e já deu até “entrevista” para a revista Elle. Elas têm 2,8 milhões de ouvintes mensais no Spotify e centenas de milhões de visualizações em seus clipes no YouTube. Em 2018, o grupo K/DA fez sua primeira performance no mundo real durante o Mundial de League of Legends, em Incheon, na Coreia do Sul, usando tecnologia de realidade aumentada. No palco, as cantoras norte-americanas Madison Beer, Jaira Burns, e as sul-coreanas Soyeon e Miyeon, ambas do (G)I-DLE, dividiram espaço com os avatares de Ahri, Evelynn, Kai’Sa e Akali.

Outras bandas fictícias também foram criadas pela Riot Games, como a Pentakill, de rock, e a True Damage, de hip-hop.

Primeira temporada de Arcane, da Netflix, encantou até quem não conhecia o jogo

Contando a história de duas irmãs que tiveram suas vidas destruídas por conflitos entre as regiões de Piltover e Zaun, sendo a primeira um centro de tecnologia e riqueza que explora a segunda, periférica, Arcane teve sua primeira temporada lançada em 2021. A produção, que mostra o relacionamento entre Violet e Jinx e tramas envolvendo outros personagens populares do jogo, venceu o Emmy em quatro categorias e também levou o Annie Awards – premiação considerada como o Oscar das animações – em nove categorias.

A série alcançou o topo de audiência da Netflix em 37 países, de acordo com o site de dados de streamings FlixPatrol. A Riot Games investiu pesado na divulgação da obra e fez diversas ações promocionais, como a iluminação no maior arranha-céu do mundo, em Dubai. No Brasil, foi criado um restaurante temático no iFood e ambientação em estações de metrô.

O mundo dos e-sports está cheio de possibilidades. Mas não para todos. As mulheres continuam segregadas e o cenário feminino de League of Legends no Brasil e no mundo ainda está longe do tamanho, da profissionalização e da remuneração que se encontra nas ligas “mistas”, que são na verdade dominadas por homens. A situação, porém, já mudou bastante. Principalmente em terras brasileiras.

Se o mundo dos e-sports é novo e cheio de possibilidades, veremos que as barreiras de mundos anteriores se mantiveram e estas possibilidades não são as mesmas para todas as pessoas, sendo as mulheres um grupo muito suprimido, e fatores como raça, classe econômica e identidade de gênero podem agravar sua exclusão. Apesar disso, elas lutam para conquistar mais espaços e reconhecem avanços ao longo do tempo. O cenário feminino de League of Legends no Brasil e no mundo ainda não chega nem perto de ser tão grande e bem pago quanto o “misto”, dominado por homens, mas a situação já mudou bastante. Principalmente em terras brasileiras.

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