brasileiros autodeclarados pardos e sua relação com ancestralidade

"De onde vim?" O questionamento sobre a própria origem é frequente na história da humanidade, desde a busca por respostas complexas que caracteriza os estudos evolutivos, até questões mais simples sobre a própria família.

Para uma população tão miscigenada quanto a brasileira –e, especialmente, para os descendentes de grupos sistematicamente dizimados, como negros e indígenas–, pode ser difícil responder até mesmo às perguntas mais primordiais sobre origem e ancestralidade.

Nesse contexto, o mapeamento genético surge como opção para essa busca, e também como complemento aos estudos étnicos e estratégias sociológicas no Brasil. O projeto DNA do Brasil, do IB-USP (Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo), recupera com dados de ancestralidade genética dos brasileiros um pouco dessas origens.

ancestralidade do dna global dos brasileiros

Segundo o projeto DNA do Brasil

Cintia Fridman, responsável pelo laboratório de Genética e Biologia Molecular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica que existem marcadores genéticos em nosso DNA que, ao longo da história evolutiva, se tornaram isolados em certas populações. Por isso, hoje, conseguimos usá-los como marcadores de ancestralidade.

As informações divulgadas pelo DNA do Brasil trazem recortes e confirmações sobre a história de miscigenação da população brasileira. E, além dos dados globais, é possível rastrear as origens ancestrais maternas e paternas.

O DNA mitocondrial é encontrado na mitocôndria, organela responsável pela produção de energia nas células, e é herdado sempre da mãe. Ou seja, ele indica o grupo étnico do ancestral feminino mais antigo.

Já o cromossomo Y está presente apenas em homens, logo, sempre é herdado do pai e indica a ancestralidade masculina. Não é possível identificar a ancestralidade paterna em mulheres.

No caso da população brasileira, os dados de ancestralidade materna e paterna confirmam a narrativa da colonização e miscigenação forçada, com base na dominação exercida por homens europeus em relação a mulheres africanas e indígenas.

ancestralidade do dna dos brasileiros
por origem materna e paterna

DNA mitocondrial

30%

36%

34%

Cromossomo Y

75%

24%

0,5%
nativo-
americano

Apesar de os dados sobre ancestralidade serem uma ferramenta interessante na busca por história e identificação, eles não têm relação direta com a proporção étnica e racial da população brasileira.

Fridman ressalta que os marcadores genéticos de ancestralidade não necessariamente são os mesmos que definem, por exemplo, a cor da pele. Eles indicam a origem antiga do DNA de um indivíduo, mas não determinam a aparência e consequente leitura social de uma pessoa.

Logo, é possível, por exemplo, que uma pessoa negra tenha grande porcentagem de DNA de origem europeia.

O que os dados de ancestralidade confirmam, contudo, é a história da miscigenação no Brasil, que está intimamente ligada ao termo pardo.

Apesar de não haver uma definição única para o termo, o historiador Mozart Linhares confirma que, no Brasil, sempre foi usado para se referir à cor "entre o preto e o branco".

% DA POPULAÇÃO BRASILEIRA, POR COR OU RAÇA, EM CADA CENSO

De 1872 até 2010, de acordo com o IBGE

parda

preta

outros

No primeiro censo brasileiro, de 1872, existiam quatro categorias: pardo, preto, caboclo e branco. Escravizados eram classificados pelo recenseador como pardos ou pretos.

Em 1890, a categoria pardo foi substituída pelo termo mestiço. A institucionalização desse termo se relaciona com o início dos projetos de embranquecimento da população após a abolição da escravidão.

As informações sobre cor ou raça pararam de ser coletadas até 1940. Neste ano, a definição pardo foi utilizada apenas como um agrupamento de respostas indefinidas ou diferentes das categorias oficiais (preto, branco e amarelo). Nos anos seguintes, o termo volta a ser uma categoria oficial e ganha espaço em relação aos pretos.

Na década de 1980, discussões do movimento negro em questionamento à mestiçagem e ao mito da democracia racial ganharam força. A categoria indígena só foi adicionada em 1991.

No momento de produção deste trabalho, os resultados do censo demográfico de 2022 ainda não estavam disponíveis. Logo, os dados mais recentes sobre cor, raça e moradia podem ser encontrados apenas na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Para alguns indicadores, os dados mais recentes eram de 2022, enquanto para outros, informações até 2020 ou 2021 estavam disponíveis.

DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DA POPULAÇÃO POR COR OU RAÇA

Em 2022, segundo o IBGE

parda
45,3%

branca
42,8%

preta 10,6%

DISTRIBUIÇÃO ETÁRIA DA POPULAÇÃO, POR COR OU RAÇA

Em 2021, segundo o IBGE

parda

preta

branca

Apesar da alta média nacional, a porcentagem da população autodeclarada parda varia de acordo com uma série de fatores. A oscilação por faixa etária pode ser explicada por aspectos como os processos de conscientização racial em gerações mais novas ou a diferença de expectativa de vida entre brancos e negros.

Contudo, há também uma diferença regional marcante. Em estados das regiões Norte e Nordeste, as porcentagems de população autodeclarada parda são, em geral, mais altas do que a média nacional. No Amazonas, por exemplo, o percentual ultrapassa os 75%.

Já no Sul e Sudeste, os estados têm baixa porcentagem de população autodeclarada parda. No Rio Grande do Sul, a porcentagem é de 15%.

% DA POPULAÇÃO NO BRASIL POR COR OU RAÇA, POR ESTADO

Em 2022, segundo o IBGE

% DA POPULAÇÃO PARDA, POR ESTADO

De 2012 a 2021, segundo o IBGE

As altas porcentagens de população autodeclarada parda na região Norte, especialmente, chamam atenção para o caráter múltiplo dessa categoria racial. Por ser entendida como sinônimo de miscigenação, a categoria também inclui pessoas de ascendência indígena e branca, ou negra e indígena, por exemplo.

Embora existam complexidades em relação à identidade do pardo brasileiro, o Estatuto da Igualdade Racial, de 2010, estabelece como população negra a soma dos autodeclarados pardos e pretos.

A definição é fruto de um projeto político e trabalho de análise e conscientização, protagonizado por lideranças ligadas ao movimento negro. Com isso, ocorre, por um lado, o apagamento da presença indígena nesse grupo. Mas percebe-se também um processo de emancipação e busca por direitos de um grupo que, por muito tempo, teve sua vulnerabilidade apagada pelo conceito da mestiçagem como símbolo de uma falsa democracia racial.

Além dos fatores identitários, estatísticas socioeconômicas aproximam, muito claramente, as populações parda e preta no Brasil.

RENDA MÉDIA
E TAXA DE
INFORMALIDADE
Em 2021, segundo o IBGE

RENDIMENTO MÉDIO POR HORA, POR COR OU RAÇA E ESCOLARIDADE

Considerando pessoas a partir de 14 anos, em 2021, segundo o IBGE

parda

preta

branca

ENSINO SUPERIOR COMPLETO

R$ 34,4

R$ 22,9

R$ 24,8

ENSINO MÉDIO
COMPLETO OU
SUPERIOR COMPLETO

R$ 13,00

R$ 9,6

R$ 10,00

ENSINO FUNDAMENTAL
COMPLETO OU
MÉDIO COMPLETO

R$ 9,9

R$ 8,7

R$ 8,1

SEM INSTRUÇÃO
OU FUNDAMENTAL COMPLETO

R$ 9,2

R$7,3

R$ 7,3

Para a professora Cláudia Carvalho, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal da Grande Dourados, o processo de construção social da categoria pardo envolve um apagamento intencional da identidade negra.

Porém, ambos os grupos sofrem com os efeitos do racismo estrutural e da própria divisão da população negra entre as duas categorias.

TAXA DE HOMICÍDIOS POR FAIXA ETÁRIA

Taxa por 100 mil habitantes, em 2020, segundo o IBGE

Como ler o gráfico

Homem pardo

Homem preto

Homem branco

Mulher parda

Mulher preta

Mulher branca

SUZY

LOHAN

POLYHANNA

VITOR

ERIC

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